Cronicas, Publicações

Justa

franciscoelitonEliton Meneses*

Justa todo dia acordava bem cedo, tomava banho de água morna, bebia o café com leite acompanhado de uma tapioca e, depois de se despedir da esposa e dos filhos, seguia de carro para o seu trabalho no banco.

Além da simpatia e do senso de humor, Justa era também reconhecido pela eficiência profissional e pela refinada cultura. Às vezes, relacionava uma contrariedade corriqueira da agência com algum episódio bíblico:

– Cafarnaum! Cafarnaum! E você, Cafarnaum: será elevada até ao céu? Não, você descerá até ao Hades!

Em momentos de aborrecimento, para impressionar colegas e clientes incautos, proferia o introito das Catilinárias:

Quousque tandem abutere Catilina patientia nostra!

Ninguém entendia nada, mas supunha naquele sujeito baixinho, gordo e careca, um fosso de erudição. Com conhecimentos que não passavam dos rudimentos do inglês, do francês, do italiano e do espanhol, Justa adquiriu a fama de poliglota, a partir do suposto domínio de cinco idiomas e, pelas suas competências reais e imaginárias, foi galgando espaços na agência e majorando seu salário com gratificações cada vez mais generosas.

O Captain! my Captain! our fearful trip is done! Chacun pour soi et Dieu pour tous! Se non è vero, è ben trovato! Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás! (…)

Quando alguém, em expressão de concordância, soltava um justamente, Justa logo atalhava:

– Justa não mente!

Justa era conhecido como o “papa-filas”, tamanha a sua eficiência no atendimento do caixa. Enquanto os demais colegas, por preguiça, má-vontade ou inexperiência, realizavam um atendimento arrastado, para o desespero dos clientes, Justa desfazia uma fila de quarenta pessoas em pouco mais de uma hora.

Normalmente, Justa se empolgava com a própria celeridade e, entre um cliente e outro, bradava, com ironia e contentamento:

– Mais um atendimento ao molho pardo!

Os colegas de caixa, decerto, mais do que os clientes, se incomodavam com a presteza e a ironia do Justa. Um deles fez chegar ao gerente-geral uma reclamação anônima dando conta da forma incomum de um caixa chamar o cliente da fila.

Num final de expediente, Justa foi chamado à gerência-geral para uma conversa reservada, concluída com uma recomendação para não mais tratar os clientes daquela forma…

No expediente do dia seguinte, todas as atenções voltaram-se para o início do atendimento do Justa. Nos três primeiros atendimentos, Justa demorou um pouco mais do que o convencional, mantendo-se até então em total silêncio, o que levou os colegas à conclusão de que ele teria se inibido com a chamada de atenção; porém, depois de um rápido quarto atendimento, Justa finalmente quebrou o seu silêncio:

– Mais um atendimento ao molho branco! porque ao molho pardo deu problema…!

 

*Defensor Público