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Artigo: proteção seletiva em tempos de pandemia

Proteção Seletiva em tempos de pandemia.

Ana Cristina Teixeira Barreto

Especialistas revelam que o risco de transmissão da Covid-19 é mais alto pelo ar que pela superfície. A partir dessa assertiva, é possível concluir que quanto menor o espaço, maior o risco de contaminação pelas microgotículas, especialmente, nos ambientes fechados, sem portas ou janelas e com pouca ventilação. Dito isto, a regra do distanciamento social de 2 metros, esquecido por muitos já cansados do isolamento, é a ainda a melhor prevenção.

O fato é que, estamos divididos por duas realidades: a dos privilegiados que podem se preservar em casa e trabalhar remotamente e assim proteger a si e a sua família e a daqueles que são obrigados a enfrentar os riscos de contaminação quer, pela natureza da atividade que exerce, quer por necessidade.

É, em relação a essa parcela que representa a esmagadora maioria que a situação é ainda mais dramática e preocupante. Milhares de pessoas se aglomeram e disputam um espaço apertado, sem ventilação adequada e sem qualquer possibilidade de distanciamento nos terminais e transportes públicos. É essa população que parece não incomodar as autoridades públicas, o setor de transporte, os empresários e as instituições de defesa dos direitos humanos, que mais sofre e está mais vulnerável e sujeita aos riscos em maior proporção. É essa mesma população que, sem opção de escolha, se aglomera duas vezes por dia, no mínimo, que lota os hospitais públicos e emergências de nossa cidade.

Se de um lado, há preocupação do poder público com os que, voluntariamente, se aglomeram em festas, bares, restaurantes e áreas de lazer de condomínios de luxo, com medidas necessárias de maior restrição, de outro lado, há a realidade vivenciada pela maioria de nossa população que insiste em incomodar e nos afrontar diariamente com as fortes imagens de aglomeração e desrespeito que são divulgadas pela mídia e redes sociais, sem que tenha merecido ainda uma resposta adequada e efetiva pelo poder publico e empresários do setor ou cobrança por parte das instituições de promoção de direitos.

A saúde, a dignidade humana e a vida são direitos humanos fundamentais de todos, mas, em tempos de crise e de calamidade pública (assim decretada pelo governo do Estado) a garantia desses direitos mostra-se ainda mais seletiva.

Ultrapassamos a marca das 200 mil mortes, perdemos muitos entes queridos, ilustres desconhecidos, famosos e de várias classes sociais. Mas, se avaliarmos as estatísticas da população de baixa renda moradora de área de risco, da periferia, das comunidades, onde, muitas vezes, não é possível o distanciamento sequer no interior das casas, a quantidade de leitos públicos, emergencialmente instalados em hospitais de campanha e de valas abertas país afora, é que constatamos que a morte, nesse cenário, é também seletiva.

É quando nos deparamos com a vacinação seletiva de pessoas que não estão na linha de frente do enfrentamento da doença, conforme amplamente divulgado país adentro, inclusive, em nossa cidade que chegou a vacinar profissionais de estética no início da vacinação, que realmente concluirmos que estamos em um salvamento seletivo. Assim como no Titanic, onde a maioria dos passageiros que morreu pertencia à 3ª classe, se os olhares não se voltarem para a realidade de nossa população carente e sofrida, a estatística também será seletiva.

 

Ana Cristina Teixeira Barreto

Defensora Pública do Estado do Ceará

annacbarreto@gmail.com

Publicação no Jornal O Povo desta quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021.