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Campanha da ADPEC vira página temática de opinião do Jornal O Povo

Uma Nação que se pretende grande não pode prescindir dos ensinamentos e da sabedoria dos mais velhos. A prova está nos países desenvolvidos, onde os idosos emprestam seus conhecimentos para transformar a sociedade sempre para melhor. No Brasil, o envelhecimento da população é um sinal inequívoco de que é preciso mudar a atitude. Se já fomos o país do futuro, hoje somos uma nação que se prepara para enfrentar os desafios com pessoas que tiveram mais tempo para aprender e que, agora, têm muito a ensinar. Esse é o cerne de campanha da Anadep e ADPEC. Confira os artigos publicadas no caderno de opinião do jornal O Povo.

Conhecimento e dignidade para o idoso

Isabelle Menezes – Defensora Pública

Muito se fala sobre a necessidade de alfabetizar os cidadãos de forma a torná-los aptos à vida em sociedade. De fato, alfabetizar suas crianças e adultos é o mínimo que um Estado que se arvore na condição de Social deve fazer. Ocorre que educar é um termo bem mais amplo do que alfabetizar. Educar é apoderar o sujeito da condição de conhecedor de sua realidade.

Grande parte de nossa população tem este direito tolhido. Muitos são alfabetizados, sabem ler, escrever, mas têm pouco domínio de sua própria realidade. Isto é verdadeiro, sobretudo, no campo da educação para a cidadania. Assim, é possível ver entre os cidadãos com condição social mais difícil uma vaga percepção de que têm direitos e que existem órgãos para executá-los, mas não o conhecimento palpável de como fazer valer os direitos que têm na prática. Esta miopia social é perversa porque aliena o sujeito da vida em sociedade, tornando-o suscetível às manobras para extirpá-lo de sua dignidade, de seu direito de ocupar seu espaço no contexto do trabalho, da família e da comunidade. É por isto que educar o cidadão para conhecer o sistema jurídico é uma parte imprescindível da efetivação do ideal de acesso à Justiça, que se traduz em dar a todo cidadão iguais armas para pleitear seus direitos, independentemente de sua condição financeira. Claro, é preciso ter direito a representação jurídica de qualidade, e para isto existe a Defensoria Pública. Mas acesso à Justiça significa, também, ter o domínio da linguagem jurídica, do conteúdo das leis, dos meandros do sistema estatal, posicionar-se com igual poder e dignidade diante de qualquer pessoa com quem se pretende resolver um conflito. E, ressalte-se, os conhecimentos relativos ao exercício da cidadania pertencem ao campo da vida cotidiana, tanto quanto da vida nos corredores dos Fóruns e salas de audiência.

A campanha Defensor Público Amigo do Idoso almeja contribuir para a efetivação deste ideal de uma sociedade em que todo cidadão tenha domínio do conteúdo das leis e da forma de fazê-las uma realidade em sua vida. No caso dos idosos, este esforço em veicular informações claras acerca do direito tem sido recebida de forma extremamente positiva.

O fato de um Defensor Público estar disponível para explicar o conteúdo de uma cartilha, elaborada especificamente para o idoso, e de oferecer seu trabalho para resolver as questões jurídicas necessárias tem o potencial de fazê-lo se sentir mais cuidado, amparado e lembrado como um importante membro da sociedade.

A esperança é que este conhecimento se traduza em mais paz e humanidade nas relações do grupo social com seus idosos.

Envelhecimento da população

Maria Célia Habib Moura Ferreira Gomes – Primeira dama do Ceará

No Brasil contemporâneo, ultrapassar todas as fases do desenvolvimento humano que culminam com a condição de ser idoso, é uma realidade. O envelhecimento populacional resulta do desenvolvimento científico e tecnológico, da expansão dos direitos e da implementação de políticas públicas. Assim, a longevidade adquire qualidade, pelas próprias conquistas de acessibilidade em sentido amplo.

No Estado do Ceará, essa realidade se manifesta. Em termos estatísticos, a população com mais de 60 anos é de 789.229 pessoas, representando 9,74% em relação a população total, estimada em 8.106.653 habitantes (IBGE/Pnad/2005). Esses dados, associados à condição de pobreza de significativa parcela da população, sinalizam para a necessidade da implementação de políticas públicas que atendam às demandas desse segmento.

Nosso olhar multifocal para o idoso, convergiu para a formulação do Programa Ceará Acessível, onde políticas intersetoriais se associam para compor a busca permanente da garantia de direitos. Nesse cenário, viver em família se revela como o direito mais essencial e insubstituível pela própria condição humana.

Entretanto, quando os seres humanos são surpreendidos pelo inesperado ou imprevisível e o elo familiar se rompe, os desafios da superação dos limites de viver passam a exigir do Estado um suporte essencial. Incontáveis são os idosos, que em algum instante de seus caminhos enfrentam a desventura de vivenciar o conflito de estar só, e sem saber lidar com um destino obscuro, confuso, sem explicações e horizontes.

Quando o abandono atinge pessoas idosas o drama é sempre mais perverso porque há uma memória que o tempo arquitetou em cada um e cuja consciência não corresponde aos fatos que se delineiam no ambiente de um abrigo institucional.

Esse dilema termina por exigir do Estado, medidas de proteção social especial onde a busca da reconciliação familiar é o determinante maior. Porém, quando todas as alternativas de apelo afetivo familiar se esgotam, a garantia do direito à vida demanda do Estado o exercício da função protetiva através do abrigo.

Mas a competência estadual de promover a garantia de direitos a idosos em situação de abandono, exige mais que a construção e manutenção de abrigos. Quando o inevitável se instaura, a proteção social especial é necessária para humanizar a vida dos abrigados, não como uma imposição formal, mas a partir da consciência reflexiva para o sentimento de que em cada vida há um “antes“ e um “depois“ e em meio a essa trajetória existe o presente indicando o modo essencial de existir lembranças, expectativas e um cotidiano que almejamos feliz.

 

 

 

Dívida e idoso

Amélia Soares da Rocha – Defensora Pública

Há aproximadamente cinco anos discute-se no Brasil, principalmente a partir da bem sucedida experiência de pesquisa realizada entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Núcleo Cível da Defensoria gaúcha, a questão do superendividamento.

A pesquisa, ainda atual, revelou, entre outros dados que: a) o número de devedores “passivos“ é quatro vezes maior que o de devedores “ativos“ (é considerado devedor ativo aquele que “gasta mais do que ganha“ e passivo, o que, pela facilidade exacerbada de concessão do crédito e diante de uma situação imprevisível – doença, desemprego, nascimento de filho & vê se em condições de endividamento), b) que a maioria dos entrevistados deve para mais de dois credores, c) que a grande maioria não recebeu o contrato, nem antes – como determina os arts. 46 e 52 do Código de Defesa do Consumidor CDC – nem depois da realização do negócio, d) que apenas para 21% dos entrevistados foi exigida alguma garantia. Daí discussões como a de criação de “concordata para o consumidor“ e da aplicação do direito arrependimento nas ofertas de credito (CDC, artigo 49).

A realidade nos leva a crê que consumo de crédito é serviço nocivo: no mês de setembro de 2009, em atuação no Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria, 72% dos atendimentos que realizei tratava-se de situação de endividamento passivo, uma situação que tem reflexo nos vários aspectos da vida e cuja responsabilidade não se pode imputar apenas ao consumidor: em regra, informações não são prestadas prévia e adequadamente e há concessão do crédito – responsabilidade do fornecedor dada a vulnerabilidade técnica do consumidor – sem avaliar a capacidade digna de endividamento. Observe-se que o constrangimento gerado por esta situação inibe o consumidor de exigir seus direitos e o faz acumular mais e mais dívidas na ineficaz tentativa de resolver discretamente este problema.

Tudo se torna ainda mais grave e nocivo quando se trata de consumidor idoso (art. 39, IV), principalmente com a possibilidade do empréstimo consignado limitador da liberdade de pagamento, bem como do assédio agressivo de concessão de crédito.

Encontrar-se nesta etapa da vida com a condição de superendividamento gera uma grave sensação de fracasso e o direito não pode se calar diante deste abuso, principalmente porque o CDC impõe a “teoria da confiança“ e determina que todos os produtos e serviços comercializados no mercado de consumo devem oferecer segurança a vida, saúde e segurança os consumidores e que, quando se tratar de produtos nocivos ou perigosos, a informação deve ser absolutamente clara, prévia e adequada de modo a permitir que o consumidor possa exercer a sua liberdade de escolha, conhecendo as consequências reais daquela sua aquisição.

Assim providência urgente é que – tal como já ocorre com publicidade de bebida e cigarro – a publicidade da oferta de crédito venha acompanhada da advertência do superendividamento ( “consuma crédito com moderação“), ressaltando o cuidado com o idoso.

Amigo do Idoso
Mariana Lobo – Presidente da ADPEC

Dados do IBGE demonstram que temos cerca de 15 milhões de idosos no Brasil atual. Destes, 84,4% são responsáveis pelo pagamento das despesas de manutenção dos seus domicílios, com um rendimento mensal médio de até dois salários mínimos. Com esta renda, inequivocamente, a proteção dos seus direitos – o que envolve a promoção, prevenção e reparação deles & é obrigação institucional da Defensoria Pública, como, inclusive, determina expressamente a recente Lei Complementar n. 132 de 08 de outubro de 2009, que reformou a Lei Orgânica da Defensoria – Lei Complementar n. 80/94.

Não obstante tenhamos vários outros exemplos – muitos até mais importantes – este é suficiente para que se observe a importância do idoso no seu Núcleo Familiar e em toda a sociedade, até mesmo porque o aumento gradativo do número de idosos brasileiros é uma constatação positiva do nosso crescimento.

O idoso, por consequência, vem, a cada ano, recebendo mais atenção do Estado Brasileiro, como se observa através da preocupação de assegurar uma maior universalização dos direitos constitucionalmente garantidos à população idosa e, mais recentemente, no Estatuto do Idoso. Ocorre que sabemos que embora de grande importância, a conquista legislativa não significa a efetivação do que realmente interessa: a sua realização prática na vida dos brasileiros. Portanto, um dos desafios que surge é a verdadeira divulgação dos direitos não apenas para o idoso, mas para toda a sociedade, mostrando os meios disponíveis para a implementação desses direitos.

Um dos meios de fazer valer esses direitos para a maioria dos idosos é a Defensoria Pública. O papel dos membros da Instituição abrange a prestação de serviço judicial e extrajudicial aos idosos que comprovarem insuficiência de recursos, envolvendo a educação em direitos, os esclarecimentos, o atendimento jurídico a ele e sua família, de forma a garantir a defesa e o exercício de todos os seus direitos, bem como os difundindo esses para que eles possam ser plenamente exercidos. Caso se trate de uma coletividade de idosos em condição de vulnerabilidade a Defensoria pode tomar providências de cunho coletivo, através de audiências públicas e/ou termos de ajustamento de conduta ou através de ação civil pública.

No intuito de bem cumprir a sua obrigação, é que os Defensores Públicos brasileiros estão realizando a campanha “Defensor Público Amigo do Idoso“, com a publicação e distribuição de uma cartilha didática e clara sobre vários aspectos destes direitos.

A cartilha está sendo distribuída após a capacitação em direitos e está, em sua versão virtual, disponível no site da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) e da ADPEC. Para exercer um direito é preciso, primeiro, conhecê-lo. Mas não basta conhecê-lo, é preciso saber como efetivá-lo. E é isso que propõe essa campanha em prol dos idosos.

Mariana Lobo Botelho de Albuquerque – Pres. da ADPEC e vice-pres. da Ass.
Fonte: Jornal O Povo, 3/11/09, caderno Opinião