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Defensora Amélia Rocha escreve sobre “A prova no Direito do Consumidor”, no O Povo

Amélia1. Minha mãe é pessoa simples, cuidadosa e muito controlada com gastos. Apareceu um empréstimo em nome dela por uma instituição que ela nunca contratou. Ao reclamarmos, apresentaram um contrato com uma assinatura que parece com a dela, mas se olharmos direito dá para ver que não é. Queremos ir à Justiça, mas não sabemos como conseguir provar: é a primeira vez que isto acontece com ela! O consumidor fica numa situação difícil: não tem nada a ver com a história e tem a dor de cabeça de provar o que não é de sua responsabilidade! O direito do consumidor protege situações como assim?

RESPOSTA: Sim, e, por tal razão, é direito básico do consumidor, nos termos do artigo 6, VIII do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC, a facilitação da defesa dos seus direitos, no que se inclui a inversão do ônus da prova.

2. E como funciona?

RESPOSTA: De três formas, distintas e complementares. Duas, por determinação legal – que são quando se trata de informação publicitária (artigo 38 do CDC) e quando se trata de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 §3º e 14§3º do CDC) – e uma por determinação judicial, quando, no caso concreto, a critério do juiz, verificar-se a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas alegações (art. 6, VIII do CDC).

3. Mas não seria injusto com o fornecedor?

RESPOSTA: Não, pois o objetivo é justamente equilibrar a situação: o fornecedor conhece mais seu produto ou serviço, as peculiaridades do seu negócio; então é mais fácil para ele provar que o defeito não existe, que o produto ou serviço funcionaram bem, que o consumidor provar o contrário. No caso que você relata, por exemplo, é mais fácil para o fornecedor produzir prova judicial pericial e/ou que sua equipe agiu conforme protocolo de segurança e/ou que o consumidor esteve na loja inclusive adquirindo outros serviços, etc.

4. Então, no caso que eu relatei, por ser situação de fato do serviço, a inversão seria legal, de modo que a obrigação de dizer que a assinatura seria do fornecedor? Como é inversão legal, nem é preciso que o ônus da prova seja invertido?

RESPOSTA: Exatamente. Sua mãe seria consumidora por equiparação (artigo 17, bystander) vez que seria vítima de um acidente de consumo (contrato de consumo firmado inadequadamente a lhe causar uma cobrança indevida de empréstimo que não contratou). Caberá a ela, na petição inicial, demonstrar todas as evidências de que se trata de fato serviço (tais quais: o seu histórico sem restrição e com pagamentos devidos e/ou extrato da conta provando que na época da suposta contratação não recebeu o valor supostamente contratado e/ou documentos com assinatura dela, etc.) e uma vez configurado o fato do serviço, o fornecedor responde objetivamente pelo risco do negócio, de modo que caberá a ele, para eximir-se da responsabilidade, provar que o defeito não existe (que a contratação realmente aconteceu) ou que não o forneceu ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14 §3 do CDC). No julgamento, deverá ser avaliado se realmente é caso de fato do serviço e o sendo, aplicar-se-á o artigo 14 §3º, conforme as peculiaridades de cada caso concreto. O objetivo do CDC, portanto, é proteger efetivamente o consumidor – vulnerável no mercado de consumo – sem inviabilizar o negócio do fornecedor (art. 4, III do CDC), tudo com base no equilíbrio e na boa fé.