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Defensora Amélia Rocha escreve sobre Cartão de Crédito no jornal O Povo

Amélia1. Recebi, sem que eu tivesse pedido, um cartão de crédito. Não usei, sequer desbloqueei, mas recebi fatura cobrando anuidade. Tenho obrigação de pagamento?

RESPOSTA: Não, pois o consumidor só se obriga ao pagamento daquilo que solicitou, sendo prática abusiva “enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.” (artigo 39, III do CDC – Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor). Inclusive, o CDC deixa claro que “os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.”

2. Mas e se eu tivesse desbloqueado e usado continuaria sem obrigação de pagamento?

RESPOSTA: Não, pois o ato de desbloquear, na prática, é uma aceitação implícita do serviço que lhe foi proposto e teria obrigação de pagar o que comprou com o cartão de crédito. Todavia, se nada lhe foi informado junto com o recebimento do cartão sobre anuidade e se tal vier a ser cobrada é possível questioná-la; pois para que a aceitação tácita inclua o valor da anuidade é preciso que o consumidor tenha tido acesso prévio a todas as condições, nas quais se inclui, com clareza, a existência e o valor da anuidade já que, como dito acima, se enviado sem solicitação do consumidor, deve ser entendido como amostra grátis: se o serviço de cartão é grátis, não há que se falar em anuidade. Neste sentido, o artigo 46 do CDC determina que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

3. Então, pelo CDC, sequer se poderia mandar o cartão de crédito sem que o consumidor solicite?

RESPOSTA: Sim, pois a liberdade de escolha é direito do consumidor e, além disso, o consumo de crédito é complexo, se não for precedido de cuidados – como avaliação de capacidade de crédito – pode levar ao superendividamento, o que prejudicaria não só o consumidor, mas o próprio fornecedor. Ou seja, o CDC até admite que sejam enviados produtos ou serviços sem solicitação, mas desde que sejam considerados amostras grátis, sem qualquer obrigação de pagamento. Sobre a questão, o STJ – Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou entendendo que “há a abusividade da conduta com o simples envio do cartão de crédito, sem pedido pretérito e expresso do consumidor, independentemente da múltipla função e do bloqueio da função crédito, pois tutelam-se os interesses dos consumidores em fase pré-contratual, evitando a ocorrência de abuso de direito na atuação dos fornecedores na relação consumerista com esse tipo de prática comercial, absolutamente contrária à boa-fé objetiva.” (RESp 1261513/SP)

4. E se o cartão de crédito – que eu não solicitei – chegou desbloqueado, foi usado por terceiro, meu nome foi para serviço de proteção ao crédito e estou recebendo cobranças por compras que não fiz?

RESPOSTA: Se você não solicitou, não firmou contrato de consumo e não seria consumidor puro, mas vítima de um acidente de consumo; ou seja seria bystander. E nessa condição de bystander – de consumidor por equiparação, de consumidor que sofreu os prejuízos de uma relação de consumo que não firmou – poderia requerer judicialmente as providências pertinentes e necessárias, nos termos do artigo 14 do CDC.