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Defensora Amélia Rocha escreve sobre “Devolução em dobro e engano justificável”

Amélia1. O artigo 42 do CDC – Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor determina ser direito do consumidor receber em dobro o que pagar em excesso. A exceção seria apenas em caso de engano justificável. Você pode explicar melhor?

RESPOSTA: O desejo do CDC, nesta regra, é mais celeridade em situações corriqueiras: se pagou em excesso por cobrança indevida, o consumidor deve ser indenizado em valor igual ao dobro do pagamento indevido. Ou seja, a pessoa X pagou o boleto de sua assinatura de televisão na data aprazada. Recebeu nova cobrança e fez novo pagamento da mesma obrigação. Tem direito a receber em dobro o que pagou em excesso de forma rápida e objetiva.

2. E aí não seria engano justificável?

RESPOSTA: Poderia ser, se tivesse uma mudança de sistema, um aviso coletivo aos consumidores da possibilidade de duplicidade e um pedido de melhor conferência pelo consumidor, etc. Inexistindo qualquer situação diferenciada, estando dentro do risco normal do negócio, não enxergo como ser engano justificável.

3. Mas soube que só se pode ter a devolução em dobro se existir má-fé do fornecedor?

RESPOSTA: Sim, de fato este é o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Todavia, creio que esta posição será revista, vez que como lembra a professora Cláudia Lima Marques – uma das maiores, senão a maior doutrinadora brasileira em matéria de direito do consumidor – , a devolução em dobro é “(…) prevista como uma sanção pedagógica preventiva, a evitar que o fornecedor se ´descuidasse´ e cobrasse a mais dos consumidores ´por engano´, que preferisse a inclusão e aplicação de cláusulas sabidamente abusivas e nulas, cobrando a mais com base nestas cláusulas, que o fornecedor usasse de métodos abusivos na cobrança correta do valor, a devolução em dobro acabou sendo vista pela jurisprudência, não como uma punição razoável ao fornecedor negligente ou que abusou de seu ´poder´ na cobrança, mas como uma fonte de enriquecimento ´sem causa´ do consumidor. Quase que somente em caso de má-fé subjetiva do fornecedor, há devolução em dobro, quando o CDC, ao contrário, menciona a expressão ´engano justificável´ como a única exceção. Mister rever esta posição jurisprudencial. A devolução simples do cobrado indevidamente é para casos de erros escusáveis dos contratos entre iguais, dois civis ou dois empresários e esta prevista no CC/2002. (…)”.

4. Verdade: é mais fácil e pratico receber em dobro aquilo que pagou a mais por ser indevidamente cobrado…

RESPOSTA: Exatamente, de modo que a interpretação dada restringe um direito do consumidor, como foi feito com a sumula 381 (a qual trata do impedimento do julgador reconhecer de oficio cláusulas abusivas em contratos bancários e esta sendo rediscutida): defesa do consumidor é direito fundamental (art. 5, XXXII da Constituição) e direitos fundamentais não admitem interpretação restritiva. Admitir a devolução em dobro, mesmo sem má- fé, bastando ausência de engano justificável, é indenizar o prejuízo do consumidor sem onerar demasiadamente o fornecedor, sendo uma pratica pedagógica, necessária e importante.