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Defensora Amélia Rocha escreve sobre “O pequeno empresário e o CDC” no O Povo

Amélia1. Sou proprietária de uma pequena mercearia. Pago meus fornecedores por meio de boleto bancário. Tenho observado que além do preço da mercadoria, toda compra tem um valor a mais relativo a emissão do boleto. Assim, tenho duas perguntas: posso usar o CDC – Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor? Em caso positivo, é justo o pagamento pela emissão do boleto?

RESPOSTA: Como se trata de pagamento por produtos e serviços que integram seu negócio, sua atividade produtiva, em regra, não poderá valer-se do CDC, o qual define como consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final. Ou seja, como se trata de pagamento de mercadorias que você revende em sua mercearia, não se configura o requisito da destinação final, sendo uma relação empresarial e, portanto, regulada pelo Código Civil.

2. Mas há uma desigualdade muito grande entre a minha mercearia e os fornecedores: é uma loja pequena, só tenho um funcionário e os fornecedores são grandes empresas. Não dá mesmo para usar o CDC?

RESPOSTA: Existindo uma relação nítida e clara de desigualdade, é possível valer-se da teoria finalista aprofundada (ou finalista mitigada), a qual equipara a consumidor a pessoa física ou jurídica em situação de vulnerabilidade, mesmo que não esteja adquirindo o produto ou serviço como destinatário final. Ou seja, quando “(…) a parte, pessoa física ou jurídica, apesar de não ser tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. (…)” (AgRg no AREsp 601234 / DF). Mas é preciso provar tais fatos no caso concreto.

3. Então, conseguindo provar, no caso concreto, a possibilidade de utilização do CDC, seria possível anular a cobrança pela emissão do boleto bancário?

RESPOSTA: Sim, é possível pois o CDC, em seu artigo 51, XII, determina ser cláusula abusiva as que “obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor.”. O custo da cobrança deve estar embutido nos custos do serviço ou produto da mesma forma que, por exemplo, o custo do ar condicionado de uma loja já está (o consumidor não paga uma taxa a mais pelo ar condicionado da loja). Inclusive, o STJ já decidiu que “(…)Sendo os serviços prestados pela instituição financeira remunerados pela tarifa interbancária, a cobrança de taxa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto constitui enriquecimento sem causa, pois caracteriza dupla remuneração pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada e abusiva em detrimento dos consumidores,. (…)” (REsp 1304953 / RS). Destaque-se que é diferente, entretanto, quando esta forma de pagamento tenha sido uma livre opção e ou indicação do consumidor, como destacado pelo STJ no REsp 1339097 / SP, ao dizer que “(…) 3. No caso, o consumidor, antes de formalizar o negócio jurídico com a Editora Abril (fornecedora), na fase pré-contratual, foi informado da faculdade de optar por uma das três formas de pagamento oferecidas pela empresa: boleto bancário, débito em conta e débito no cartão de crédito. 4. Inexiste vantagem exagerada em decorrência da cobrança por carnê, em especial porque o boleto bancário não é imposto pelo fornecedor, mas, ao contrário, propicia ao consumidor uma comodidade, realizando a liberdade contratual e o dever de informação.”