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Defensora Roberta Quaranta assina artigo sobre Multiparentalidade no jornal O Povo

roberta quarantaRoberta Madeira Quaranta*

A multiparentalidade, que vem ganhando contornos expressivos no direito de família pátrio, decorre da possibilidade de reconhecermos que a relação parental não se limita a modelo único e pré-definido, mas trata de amoldar registros civis à realidade de muitas famílias, reconhecendo laços que, além do sangue, estão impregnados do mais profundo dos afetos: o amor dos pais com relação à pessoa dos filhos. É certo que a filiação não decorre exclusivamente do parentesco consanguíneo. Prova disso é que o art. 1523 do CCB é claro no sentido de atribuir que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. A filiação socioafetiva estaria incluída na última parte do dispositivo legal transcrito, admitindo que a “posse do estado de filho” se sobrepusesse ao vínculo genético.

Diante disso, não há dúvida de que o maior efeito do reconhecimento jurídico da sociafetividade, como forma de parentalidade, é a admissão do surgimento da multiparentalidade, ou seja, da possibilidade de o indivíduo ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Assim, temos que a filiação socioafetiva encontra amparo jurídico na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que atribui à filiação a condição de elemento fundamental na identidade e definição da personalidade da criança e do adolescente. No Brasil já existe considerável número de decisões reconhecendo a forma plural de parentesco, onde percebemos a coexistência da parentalidade biológica e afetiva. Ademais, a crescente formação de famílias homoafetivas, onde os partícipes acabam adotando filhos, também não nos deixa outra conclusão, senão a viabilidade jurídica do instituto em questão.

Dessa forma, a parentalidade plural impõe aos operadores do direito a missão de utilizar a hermenêutica constitucional com o objetivo de reconhecê-la como fato apto à proteção jurídico-estatal, mormente em respeito aos princípios do melhor interesse e da prioridade máxima da criança e do adolescente. O direito de família somente estará condecorando a pessoa humana quando incorporar o afeto como valor jurídico, tratando de maneira não excludente os vínculos de filiação. Do contrário, caso resolva prosseguir no descaso à urgência das transformações sociais tudo o que teremos é a continuidade de práticas discriminatórias e retrógradas.

*Defensora pública e professora da Unichristus