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Direito de Defesa: Falta de intimação pessoal de defensor anula julgamento

 Se o defensor público não é intimado pessoalmente sobre a data do julgamento de apelação e, por isso, deixa de fazer a sustentação oral, a decisão tomada no caso é nula. O entendimento é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liminar para suspender a execução da pena imposta a três condenados por furto qualificado. 

O ministro considerou que os réus estão “sofrendo verdadeira execução provisória da sanção penal que lhes foi imposta”. De acordo com Celso de Mello, a exigência de intimação pessoal do defensor público e do advogado dativo “atende a uma imposição que deriva do próprio texto da Constituição da República, no ponto em que o nosso estatuto fundamental estabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa”. Na decisão, o ministro lembrou que a jurisprudência das duas turmas do STF é extensa no sentido de que a falta de intimação pessoal, em casos como esses, é motivo que gera nulidade processual. Ainda de acordo com Celso de Mello, “a sustentação oral compõe o estatuto constitucional do direito de defesa”. Por isso, “a injusta frustração desse direito” fere o princípio constitucional da ampla defesa.

Leia a decisão: 
 
MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 96.958-5 SÃO PAULO
 
 RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
 
 PACIENTE(S): PEDRO BRAZ DOS SANTOS DA CUNHA
 
 PACIENTE(S): WASHINGTON LUIZ VALENTIN BATISTA
 
 PACIENTE(S): ANDRÉ LUIZ SILVA COSTA
 
IMPETRANTE(S): RAFAEL RAMIA MUNERATTI 
 
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
 
EMENTA: “HABEAS CORPUS”. DEFENSOR PÚBLICO QUE FOI INJUSTAMENTE IMPEDIDO DE FAZER SUSTENTAÇÃO ORAL, POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL QUANTO À DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELOS PACIENTES. CONFIGURAÇÃO DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. NULIDADE DO JULGAMENTO. LIMINAR DEFERIDA. 
 
— A sustentação oral — que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância — compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julgamento de apelação criminal, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa — que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa — enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.
 
 
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (Apenso, fls. 91):
 
 “PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE. ARGÜIÇÃO TARDIA. PRECLUSÃO. ORDEM DENEGADA.
 
 
 
1. A ausência de intimação pessoal de defensor público para a sessão de julgamento de recurso criminal é causa de nulidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
 
 
2. Hipótese em que, mesmo tendo o defensor público sido intimado pessoalmente do acórdão proferido no julgamento da apelação, quedou-se inerte a defesa em oferecer, tempestivamente, a indispensável impugnação, apresentando-a após o trânsito em julgado do ‘decisum’, motivo pelo qual tem-se por sanada a alegada nulidade, em virtude da preclusão.
 
 
3. Ordem denegada.”
 
 
(HC 106.930/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – grifei)
 
 
Alega-se, na presente sede processual, que o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não poderia ter julgado, sem a prévia intimação pessoal da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o recurso de apelação interposto pelos ora pacientes. 
 
Busca-se, pois, nesta impetração, a concessão de ordem, “para, reconhecendo o constrangimento ilegal, ser anulada a ação penal, desde o indevido julgamento da apelação, para que outro julgamento seja proferido” (fls. 07). 
 
Entendo que se mostra densa a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora deduzida, seja examinando-se a postulação quanto à necessidade de intimação pessoal do Defensor Público, seja quanto à essencialidade do direito de fazer sustentação oralperante os Tribunais nas hipóteses previstas na legislação processual ou nos regimentos internos das Cortes judiciárias.
 
Cumpre rememorar, desde logo, quanto ao primeiro fundamento desta impetração, que o próprio ordenamento positivo brasileirotorna imprescindível a intimação pessoal do defensor nomeado dativamente (CPP, art. 370, § 4º, na redação dada pela Lei nº 9.271/96) e reafirma a indispensabilidade da pessoal intimação dos Defensores Públicos em geral (LC nº 80/94, art. 44, I; art. 89, I, e art. 128, I), inclusive dos Defensores Públicos dos Estados-membros (LC nº 80/94, art. 128, I; Lei nº 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação dada pela Lei nº 7.871/89). 
 
A exigência de intimação pessoal do Defensor Público e do Advogado dativo, notadamente em sede de persecução penal (HC 82.315/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE), atende a uma imposição que deriva do próprio texto da Constituição da República, no ponto em que o nosso estatuto fundamental estabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa, em procedimento estatal que respeite as prerrogativas decorrentes da cláusula constitucional do “due process of law”.
 
 É por tal razão que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal reconhecem que a falta de intimação pessoal, nas hipóteses legais referidas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta (HC 81.342/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM –HC 83.847/PE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 85.443/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.): 
 
“‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRECEDENTES.ACÓRDÃO ANULADO PARA QUE OUTRO SEJA PROLATADO. ORDEM CONCEDIDA.
 
 
1. O art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 prevê a necessidade de intimação pessoal do Defensor Público de todos os atos do processo, sem a qual, acarreta nulidade do acórdão prolatado.
 
 
2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que é desnecessária a comprovação do efetivo prejuízo para que tal nulidade seja declarada.
 
 
3. Ordem concedida, para que, após a regular intimação do defensor público, proceda-se a novo julgamento.”
 
 
(HC 89.190/MS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)
 
 
“AÇÃO PENAL. Defensor público. Defensoria pública do Estado. Assistência judiciária. Sentença condenatória confirmada em grau de apelação. Recurso especial não admitido. Intimação pessoal do procurador. Não realização. Intimação recebida por pessoa contratada para prestar serviços à Defensoria. Agravo de instrumento não conhecido. Prazo recursal que, todavia, não se iniciou. Nulidade processual reconhecida. HC concedido. Ofensa ao art. 5°, § 5°, da Lei n° 1.060/50, e art. 128, I, da Lei Complementar n° 80/94, e art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal. Precedentes. É nulo o processo penal desde a intimação do réu que não se fez na pessoa do defensor público que o assiste na causa.”
 
 
(HC 85.946/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)
 
 
A ratio subjacente à necessidade de intimação pessoal do Advogado dativo ou, como na espécie, do Defensor Público objetiva viabilizar o exercício, pelo réu, do seu direito à plenitude de defesa, cujo alcance concreto abrange, dentre outras inúmeras prerrogativas, o direito de sustentar, oralmente, as razões de seu pleito, inclusive perante os Tribunais em geral.
 
 Não constitui demasia registrar, por isso mesmo, que a sustentação oral, por parte de qualquer réu, compõe, segundo entendo,o estatuto constitucional do direito de defesa (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). 
 
 A sustentação oral, notadamente em sede processual penal, qualifica-se como um dos momentos essenciais da defesa. Na realidade, tenho para mim que o ato de sustentação oral compõe, como já referido, o estatuto constitucional do direito de defesa,de tal modo que a indevida supressão dessa prerrogativa jurídica (ou injusto obstáculo a ela oposto) pode afetar, gravemente,um dos direitos básicos de que o acusado — qualquer acusado — é titular, por efeito de expressa determinação constitucional. 
 
Esse entendimento apóia-se em diversos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte (RTJ 140/926, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 176/1142, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 67.556/MG, Rel. Min. PAULO BROSSARD – HC 76.275/MT, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.), valendo referir, na linha dessa orientação, decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: 
 
“(…) A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração desse direito afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa -, quando configurado, enseja a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.”
 
 
(RTJ 177/1231, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
 
 
No caso, o exame dos autos revela que a inclusão em pauta da apelação criminal interposta pelos ora pacientes não constituiuobjeto da necessária intimação pessoal do Defensor Público que lhes dava patrocínio técnico, o que frustrou, injustamente, o exercício, por eles, do direito de sustentar oralmente, por intermédio de seu defensor, perante o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, as razões do recurso interposto.
 
 Todos os fundamentos que venho de expor conferem, a meu juízo, densa plausibilidade jurídica à pretensão cautelar ora deduzidapela parte impetrante. 
 
Concorre, de outro lado, na espécie, situação configuradora do “periculum in mora”, em razão de os ora pacientes estaremsofrendo verdadeira execução provisória da sanção penal que lhes foi imposta.
 
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo  de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual,defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender,  cautelarmente, a execução da pena restritiva de direitos em que se converteu a pena de reclusão imposta nos autos do Processo-crime nº 657/02 (14º Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP). 
 
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da   presente   decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 106.930/SP),ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal com Revisão nº 975.674.3/1-00) e ao Senhor Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP (Processo-crime nº 657/02). 
 
Publique-se.
 
 
Brasília, 19 de dezembro de 2008.
 
Ministro CELSO DE MELLO – Relator
 
 
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de dezembro de 2008