Com a palavra o Defensor

Dra. Aline Lima de Paula Miranda

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A Supervisora do Núcleo da Defensoria Especializado em Execução Penal (Nudep), Aline Lima de Paula Miranda, fala com exclusividade sobre o Projeto “Reconstruindo a Liberdade”. Desenvolvido no âmbito do sistema carcerário, o projeto estabelece um elo de cooperação entre instituições públicas e privadas (Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Fortaleza, Secretaria de Justiça e Cidadania – SEJUS e Instituições de Ensino Superior – IES) sob a coordenação do Nudep.

Adpec. O “Reconstruindo a liberdade” tem um elo de cooperação de entidades multilaterais. Como se deu a concepção do projeto?

Aline Miranda: Surgiu a partir da concepção do trabalho em rede, da cooperação entre sociedade civil, instituições públicas e privadas, diante da imensa dificuldade que sentíamos em realizar a assistência jurídica das pessoas presas. Eram pouquíssimos Defensores Públicos atuando nas unidades prisionais àquela época. Percebemos que precisávamos criar uma rede de cooperação e então agregamos a sociedade civil, através da Pastoral Carcerária e depois vieram os Evangélicos, que evangelizam também dentro dos presídios; concomitantemente, firmamos parceria com a Secretaria de Justiça e Cidadania, pois o projeto contou com o apoio incondicional do então Secretário de Justiça Marcos Cals e as Instituições de Ensino Superior, através dos cursos de Direito, assim, todos assinaram um Termo de Cooperação Técnico Institucional e passaram a executar o Reconstruindo a Liberdade sob a coordenação da Defensoria Pública, através do recém criado Nudep.

Adpec. Em termos gerais, quais os principais benefícios alcançados?

AM: Logo no primeiro ano, o número de apenados acompanhados pelo Nudep saltou mais de 300% e vem aumentando anualmente, terminamos o ano de 2013 com cerca de 70% dos reeducandos que cumprem pena inseridos no banco de dados do núcleo e sob nosso acompanhamento jurídico; diminuíram, sensivelmente, os casos de apenados que estavam reclusos e já detinham direito à liberdade; houve uma importante influência na Justa Execução das penas no nosso Estado, mas que ainda reclama melhorias. Percebemos, com o Reconstruindo a Liberdade, o aumento na credibilidade da Defensoria Pública e em última análise, consideramos ser este um fator que influencia também na pacificação intramuros.

Adpec. Então os defensores passaram a dispor de melhores condições para articular ações?

AM: Sim, ações e estratégicas de âmbito coletivo, tendo a Defensoria passado a ajuizar mais ações civis públicas, a realizar audiências públicas, seminários, encontros, reuniões para tratar da questão prisional de maneira macro e com diversos segmentos, bem como a articular projetos voltados à prevenção da violência, com foco especial no cuidado com as vulnerabilidades dos filhos de presidiários, bem como fomentando e participando de ações voltadas a ressocialização, como é o caso da Semana do Bebê e Fábrica Escola – Teoria e Prática para a Vida. Ademais, consideramos que a Defensoria Pública conseguiu que a academia introduzisse o estudo sistemático e a discussão permanente sobre o sistema prisional e a execução penal, cujos efeitos somente poderão ser avaliados dentro do transcurso de algum tempo, sobretudo na forma como a sociedade irá lidar com a “prevenção” e a”repressão” à violência.

Adpec. Como é a dinâmica da iniciativa e como ela é recebida pelo seu público?

AM: A Defensoria Pública passou a ter acesso a mais apenados, quando antes dependia do sistema prisional para ter acesso aos reclusos, isso se deu através da parceria com a sociedade civil (Igreja Católica e Evangélicos) que em suas intervenções nas unidades prisionais para evangelizar, aplicam um questionário elaborado pela Defensoria Pública contendo perguntas simples sobre a situação prisional do reeducando. Em segundo momento agilizamos a obtenção da documentação necessária aos reclusos e passamos a cadastrá-los em um banco de dados virtual, capaz de gerar estatísticas que até então não possuíamos, o que foi possível em razão da Central de Certidões concebida pela Sejus ao projeto, nos moldes do quanto definido pela Defensoria Pública. Em decorrência do grande aumento da demanda e do ainda reduzido número de Defensores Públicos, passamos a contar com as IES, que além dos Defensores Públicos, avaliam a situação jurídica de vários reeducandos, sob a orientação do professor da disciplina de estágio em prática de execução penal, cuja última análise é realizada pelo Defensor Público do Nudep, que valida e protocoliza as petições ou registra os pareceres no Siaj – Sistema de Acompanhamento Jurídico.

Adpec. Como se dá o retorno dos penados?

AM: Os retornos aos apenados é dado tanto pelo Defensores Públicos que atuam nos presídios, como pelos evangelizadores e pela área administrativa das unidades prisionais, gerando mais transparência.Assim, mais pessoas são contempladas com a assistência jurídica integral e gratuita proporcionada pela Defensoria Pública.

Adpec. O projeto recebeu menção honrosa do Prêmio Innovare. Qual a importância desse reconhecimento?

AM: A menção honrosa do Instituto Innovare no ano de 2009 foi a consolidação do projeto que se expandiu para outras faculdades de direito, inclusive no interior do estado, a exemplo de Juazeiro do Norte e Sobral, em função dos presídios PIRC e PIRS.Atualmente são cerca de 300 alunos espalhados em quase todas as faculdades de Direito do nosso estado, prestando assim, um relevante trabalho de promoção da Justiça.

Ademais, outros Estados já nos visitaram para conhecer de perto a metodologia, bem como, passamos a expandi-lo para outras áreas do conhecimento, desde o segundo semestre do ano de 2012, iniciamos parceria com a faculdade de psicologia de uma IES parceira e temos o Reconstruindo a Liberdade com psicologia, onde alunos realizam estágio no Nudep, local que agrega diariamente vários familiares e pessoas que cumprem pena em nosso Estado.

Adpec. Qual a expectativa daqui para frente?

AM: É nosso desejo agregar mais cursos, como serviço social, sociologia, arquitetura, antropologia, etc. Entendemos que questões de natureza humana, como a violência, somente podem ser tratadas com multidisciplinariedade e assim, a Defensoria Pública anseia por contribuir cada vez mais, com ações responsáveis que nos permita viver em um mundo mais humano e equilibrado.