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Rua de direitos

mariana_loboMariana Lôbo*

Estamos acostumados a ver na nossa paisagem cotidiana, calçadas, praças e viadutos ocupados por seres humanos, gerando certo desconforto e, principalmente, sensação de conivência com o sistema de exclusão estabelecido. Para alguns pesquisadores do tema, a invisibilidade social das pessoas em situação de rua opera em dois planos: consciente e inconsciente. Quanto mais próximo se está desse sujeito invisível, mais consciência se tem dele e de sua invisibilidade. Quanto mais distante, mais são transformados em coisa, em outro, chegando a ser imperceptível, e, ao ignorarmos a existência deste outro, acabamos por banalizar nosso potencial de indignação frente a injustiça e exclusão social.

As pessoas que usam a rua como moradia estão ali não por opção e sim por condição. São personagens que narram em suas trajetórias múltiplas e cumulativas desvinculações. Cidadão, sujeito de direito, escolheu ou, na maioria das vezes, foi levado a escolher a rua como condição. Por vezes temporariamente. Às vezes, de modo permanente. Este fator não pode potencializar a criminalização, descriminação ou alijar destes a oportunidade de acesso às políticas públicas.

Passo importante foi dado, em 2008, com a implementação da lei 11.258/05 que obriga os municípios a promoverem programas de inclusão da população em situação de rua. Ocorre que, mesmo com a criação de uma política nacional, observamos a persistência de olhar caritativo e curativo à situação, o que nos leva a constatação de que o Estado não foi capaz de solucionar o problema da exclusão social e da universalidade das políticas públicas, igualando minimamente o ponto de partida. Como queria o poeta gaúcho Mário Quintana quando fala que a democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida, ficando o ponto de chegada na dependência de cada um. Esta afirmação deixa enraizada a necessidade de políticas que sejam igualitárias no acesso para todos os atores sociais.

Trabalhar e compreender a intersetorialidade da questão e a necessidade de inclusão de direitos aos povos de rua é também missão da Defensoria Pública. Dentro do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, temos recebido demandas e também pautado a necessidade de construir políticas permanentes e intersetoriais para pessoas em situação de rua. Entendemos que é mister do defensor público continuar contribuindo para a defesa dos direitos dos que necessitam e, em consequência, para realidade mais livre, justa e solidária para todos..!

* Defensora Pública do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas