Hoje se comemora três anos da Lei 11.340/06 (Maria da Penha) que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Entre a difícil decisão de denunciar o agressor e as fragilidades do sistema de proteção no Ceará, a mulher ainda continua a ser agredida. Com dores no corpo e na alma, R.F, vítima de graves agressões do namorado em 2007, espera mais da legislação. “Mesmo com a Lei, ainda me sinto muito desprotegida. Não basta ter uma delegacia ou um juizado, tem que haver respeito e dignidade com a pessoa violentada. Estou tentando fugir do agressor, mas ele descumpre as medidas preventivas e nada é feito contra ele. A Lei não tem sido eficaz comigo”, denunciou a jovem que vive com o temor de ser violentada novamente. Com 43 mulheres assassinadas em 2009, a Delegacia da Mulher já registrou mais de duas mil ocorrências. Contraditoriamente, na data em que se comemora o aniversário, disputas no Senado Federal querem ‘acabar’ com a Lei por uma possível reforma do Código de Processo Penal.
Realizando atividades na manhã de hoje na Praça do Ferreira, a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPGE), em parceria com o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a mulher, irão tentar lutar pela manutenção da Lei: “com as mudanças que o Senado está propondo, a violência volta a ser vista como um crime de menor potencial ofensiva e perde todo o poder político e a força de anos de luta dos movimentos sociais”, disse a defensora, Elizabeth Sousa. O Projeto de Lei 156/2009, que está em tramitação, quer excluir a Lei Maria da Penha e enquadrar tudo em violência doméstica. Com início às 8h da manhã, as prestações de serviço oferecidas Defensoria seguem até o meio-dia com o recebimento de denúncias de vítimas.
O que muda com esse Projeto de Lei? Para Beth Ferreira, secretária nacional da (Articulação de Mulheres Brasileira) AMB, se perde o caráter educativo. “O legal da Lei é que ela não prioriza somente a punição. Com seu fim poderá acabar também os dispositivos legais da prisão e as medidas preventivas. Somos contra o projeto do Senado”, frisou a militante. Em um ato realizado na tarde, movimentos sociais distribuirão nota pública contra o ‘fim’ da Lei. No Brasil, desde a aprovação da Lei 11.340 em 2006, a violência contra as mulheres passou a ser considerada “grave” e punida com rigor: o agressor pode ser preso em flagrante e medidas preventivas podem ser acionadas para defender a vida e a integridade física e psicológica das mulheres.
>> Resistência. A defensora pública alertou ainda que, ao invés de oferecer segurança às vítimas, as mulheres violentadas teriam que se contentar apenas com cestas básicas do agressor. “Se essas mudanças acontecerem haverá um grande retrocesso da luta pela dignidade delas. Tem muito juiz que não quer aceitar a Lei. Temos que fortalecê-la e fazer valer o que o texto preconiza”, disse a defensora Elisabeth Souza. Narrando o dia em que foi violentada pelo namorado em maio de 2007, R.F lamenta as possíveis mudanças com o Projeto de Lei. “A gente já sente que as delegacias não querem mais nós atender, tem policiais que fazem pouco caso das nossas denúncias e eu tenho dificuldades em fazer um Boletim de Ocorrência denunciando que as medidas preventivas estão sendo descumpridas”, disse a jovem.
Em tramitação, a sua queixa crime poderá ser considerada, judicialmente, como uma simples lesão corporal. “Onde já se viu uma violência tão grave ser tida como uma simples briguinha? Como o acusado é uma pessoa importante, corre o risco até da minha denúncia virar à favor dele e se tornar legítima defesa do violentador. Não aceito isso”, disse indignada R.F. A Lei traz uma série de medidas para proteger a mulher que está em situação de agressão ou cuja vida corre riscos. Entre elas, a saída do agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e cancelar procurações feitas em nome do agressor. A violência psicológica passa a ser caracterizada também como violência doméstica. Três mil processos tramitam no Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, inaugurado no dia 18 de dezembro do ano passado. Na 1ª Vara Criminal, por exemplo, tramitam 1.042 processos e foram dadas 1.684 medidas preventivas até junho desse ano.
Prometendo mais duas delegacias, uma para Pacatuba e outra para Quixadá, o secretário de segurança do Estado, José Nival Freire, disse que, com recurso do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), tentará garantir mais delegacias de defesa da Mulher. “Vamos investir também nas melhorias das sete que já temos e na capacitação de profissionais para atender nas delegacias não especializadas. Não dá para ter uma em cada cidade”, completou José Nival Freire.
Relatando as fragilidades do sistema de proteção à mulher no Ceará, a defensora pública alertou para a necessidade de mais órgão de defesa: “só temos uma delegacia na cidade e outras sete no interior. Era preciso, pelo menos, uma por regional. O aumento das denúncias requer mais estrutura para atender àquelas mulheres que criaram coragem de sair de casa e denunciar o que passaram”, disse Elisabeth Souza. Narrando o caminho da denúncia, ela narrou que o primeiro passo após a agressão é chamar a polícia e, imediatamente depois, ir à Delegacia da Mulher e na Defensoria Pública. “No Núcleo de Enfrentamento nós escutamos o caso e vemos se é necessário medidas preventivas de urgência ou cíveis, se ela vai precisar de abrigamento e de avaliação psicológica nos Centros de Referência. Existe toda uma rede de proteção. O que precisa é a mulher se fortalecer e criar coragem para denunciar e pedir ajuda”, finalizou a defensora pública.
SERVIÇO
– Disque-denúncia de agressão contra a mulher 0800 280 0804 (atendimento das 8 às 20 horas).
– Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: rua Barão do Rio Branco, 2.922, Bairro de Fátima. Tel: 3433 8785.
– Delegacia de Defesa da Mulher – Fortaleza/CE – rua Manuelito Moreira, 12 – Centro. Tel.: (85) 3433-9073
– Centro de Atendimento e Referência à Mulher – CERAM – Rua Pe. Francisco Pinto, 363, Bairro Benfica – FORTALEZA/CE. Tel.: (85) 3281-2499. Horário de atendimento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
– Centro de Referência e Atendimento a Mulheres em Situação de Violência Francisca Clotilde
Benfica – Fortaleza/CE. Tel.: (85) 0800-280-0804 / 3105-3415 / 3417
– Conselho Cearense dos Direitos da Mulher. Fortaleza/CE. Tel.: (85) 3226-9056.
MAIORIA DOS ENTREVISTADOS CONHECE ALGUMA VÍTIMA
• 55% dos entrevistados conhecem casos de agressões a mulheres
• Medo de morrer é vista como maior causa para a vitíma continuar com o agressor
• 39% dos que conhecem uma vítima de violência tomaram alguma atitude de
colaboração com a mulher agredida
• 56% apontam a violência doméstica contra as mulheres dentro de casa como o
problema que mais preocupa a brasiLeira
• Expressivo aumento do conhecimento da Lei Maria da Penha de 2008 para 2009:
68% para 78%
• Maioria defende prisão do agressor (51%); mas 11% pregam a participação em
grupos de reeducação como medida jurídica mais eficaz
• Na prática, a maioria não confia na proteção jurídica e policial à mulher vítima
de agressão
• 44% acreditam que a Lei Maria da Penha já vem surtindo efeito
• Para a população, questão cultural e alcoolismo estão por trás da violência contra
a mulher
• 48% acreditam que exemplo dos pais aos filhos pode prevenir violência na relação
entre homens e mulheres
(Fonte: Pesquisa Ibope – Percepções Sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher No Brasil 2009)
Fonte: O Estado, 7/8/2009