Com a palavra o Defensor

Dra. Julliana Andrade e Dr. Tibério Augusto

20140113_153228Vencedores do Prêmio Innovare 2013, na categoria “Defensoria Pública” com a prática ”Organizar para conhecer, enfrentar e resolver: abrigo não é família”, os defensores públicos Juliana Andrade e Tibério Augusto Lima falam sobre o projeto e o Sistema de Acompanhamento de Crianças e Adolescentes (Sacada).

Adpec. Como foi que surgiu a ideia do projeto?

Julliana Andrade: Surgiu com a atuação da curadoria especial feita pela Defensoria Pública através do Nadji, que atua no atendimento ao público com algum tipo de demanda a ser tramitada nas varas da infância e juventude. E quando se trata de criança e adolescente, as demandas são as mais diversas possíveis. Começamos então a ser bastante demandados por Conselhos Tutelares, por Unidades de Acolhimento. Em setembro de 2011, o Tibério chegou ao Núcleo para atuar comigo, então a gente mapeou junto ao Comdica (Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente) todas as Unidades de Acolhimento de Fortaleza (ao todo 24) e nos dividimos para atender esse número. De lá para cá estamos realizando esse projeto de forma sistemática e ininterrupta.

Adpec. Como se deu a concepção do Sacada?

Tibério Augusto: Toda semana visitávamos – e ainda visitamos – dois abrigos. Nessas visitas, colhíamos os problemas que aquela criança ou aquele adolescente acolhido passava e trazíamos de volta ao Núcleo, para poder realizar uma atuação jurídica e defensorial naquele problema. Mas como são muitas crianças e adolescentes (cerca de 500), vimos a necessidade de sistematizar as demandas, ou seja, os problemas que a gente estava colhendo nessas visitas. Inicialmente não tínhamos dimensão de como seria isso, simplesmente preparamos uma planilha em Excel e inseríamos os dados, só que com o avançar dessas visitas percebemos esses método já estava se mostrando ineficiente, pois tínhamos muitos questionamentos. Foi então que eu me aproveitei da minha formação em Engenharia Eletrônica e desenvolvi um sistema eletrônico para controlar especificamente os problemas, ou seja, as demandas provenientes das visitas. Então construímos o Sacada para ser um instrumento de sistematização dos problemas que essas crianças passam, bem como das atuações que nós defensores fazemos em prol dessas crianças, e as respostas obtidas. Não é apenas saber quantas pessoas estão acolhidas ou qual é a idade delas, mas principalmente ter em mãos e sempre disponível os problemas que passam aquelas crianças, o que a Defensoria fez e quais os resultados.

Adpec. Como as unidades receberam essa nova proposta?

JA: As Unidades de Acolhimento sentiam muito a necessidade de ter alguém lá, alguém que eles pudessem recorrer com relação à situação daquelas crianças e daqueles adolescentes. No primeiro momento, a gente foi conhecer a realidade e nos apresentar, informar como a Defensoria Pública iria atuar naquela área. A partir daí, cada vez mais fomos estreitando o diálogo entre os profissionais dessas unidades. Foi quando vimos a quantidade de demandas e o que ainda se poderia fazer para aquelas crianças e para aqueles adolescentes. Percebemos que o projeto não podia ser pontual. A gente tira um dia para se dedicar e colher aquelas demandas das crianças e adolescentes de uma determinada unidade. Mas sempre que eles precisam, também podem procurar o Núcleo.

Adpec: E qual cenário vocês encontraram? Que mudanças aconteceram a partir do Sacada?

TA: Quando começamos o trabalho, havia um quadro inicial de crianças que estavam há quatro, seis, oito anos em situação de acolhimento, sendo que o Eca (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que o prazo máximo deve ser de dois anos. Essa atuação passou então a movimentar um sistema jurídico e surgiu uma dinâmica totalmente diferente, fazendo com que o problema daquelas crianças não ficassem mais mofando. Dada a nova dinâmica trazida pelo sistema, hoje, dificilmente uma criança acolhida em Fortaleza vai passar quatro, cinco, seis, sete, oito anos numa unidade. Podemos sinteticamente dizer que o principal ganho da atuação da Defensoria foi fazer com que os prazos que essas crianças passam acolhidas fossem reduzidos drasticamente. E tudo isso, é claro, em respeito à convivência familiar.

Adpec. Recentemente vocês ganharam o Prêmio Innovare pelo projeto. Qual a importância desse reconhecimento?

JA: Quando começamos esse trabalho de conhecer a realidade, vimos que ele começou a fazer diferença, diminuindo o tempo nos abrigos, fazendo com que essas crianças fossem para uma convivência familiar. O Prêmio é importante para dar visibilidade à ação, para que outras Defensorias saibam, conheçam, possam replicar, mas o que realmente faz a diferença é ver uma criança saindo de uma Unidade de Acolhimento e indo para uma família, se integrando a uma convivência familiar, a um ambiente familiar.

TA: Na realidade, a grande motivação de você ser defensor público, não importa a área que você atue, é auxiliar juridicamente aquelas pessoas que muitas vezes não têm nenhum tipo de voz. Esse trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Nadji há mais de dois anos e meio, dá voz a pessoas que jamais viriam a um tribunal, porque são crianças, adolescentes. Dar voz a quem não tem é a essência do trabalho do defensor. E obviamente, para quem abraçou a profissão, é gratificante.