Com a palavra o Defensor

Dra. Ana Carolina Gondim

carol gondimCerca de 90% dos presos já condenados são assistidos pela Defensoria. Ou seja, no Estado que tem a segunda maior população carcerária do Brasil, não falta demanda para a Defensora Pública Ana Carolina Gondim, do Núcleo Especializado em Execução Penal (NUDEP). Segundo ela, o maior desafio na carreira é atuar em um sistema prisional que tem se mostrando incapaz de ressocializar os apenados. “Além disso, ainda temos muito o que caminhar e seguir lutando para que um dia o sistema de justiça seja mais justo para os nossos assistidos, que a defesa seja tão valorizada quanto a acusação e a carreira tenha também a mesma valorização remuneratória”, afirma.

Adpec – Há quanto tempo a senhora atua na Defensoria Pública?

Ana Carolina Gondim – Atuo na Defensoria desde 2008, tendo atuado até o fim de 2011 no interior e, em seguida, na Capital.

Adpec – Como é o seu dia a dia de trabalho no Núcleo Especializado em Execução Penal (NUDEP)?

Ana Carolina Gondim – A atuação do NUDEP envolve desde o atendimento das famílias dos apenados e também dos egressos que ainda estão cumprindo pena monitorados, no regime aberto ou no livramento condicional, com análise de cada processo de execução, coleta de informações e certidões e tudo que for necessário para pleitear os benefícios que fazem jus. O trabalho acontece diariamente no núcleo na rua Caio Cid. Além disso, uma vez por semana, atendo também no presídio, no meu caso na unidade prisional “Carrapicho”, CPPL de Caucaia. O núcleo também é responsável pela execução penal como um todo e por cobrar pelas políticas públicas relativas a execução penal.

Adpec – Quais as principais demandas do público alvo (casos mais frequentes no atendimento)?

Ana Carolina Gondim – Todos os apenados condenados são acompanhados através de abertura de prontuários internos e, após colhida a documentação principal, é realizado um parecer ou já é feito o pedido de benefício que faz jus. Os principais pedidos são de progressão de regime e de livramento condicional. Além destes, temos pedidos de saída temporária, transferência, liquidações e somas de penas, dentre outros. Atendemos também todas as questões urgentes de transferência, necessidade de atendimento médico, ameaças dentro do presídio e tudo que envolve o dia a dia do nosso assistido e dos egressos com processo em andamento.

Adpec – Em relação ao quantitativo de atendimento jurídico realizado, qual a abrangência do NUDEP?

Ana Carolina Gondim – Cerca de 90% dos presos já condenados são assistidos pela Defensoria. O Ceará é o segundo maior em população carcerária. Até o meio desse ano, havia mais de 17.600 presos. Nesse quantitativo, temos presos condenados e provisórios e estes se misturam, pois muitos são condenados por um processo e respondem por outros. O núcleo como um todo está preparado para atender todos os familiares que chegam através de equipe de estagiários, funcionários e Defensores.

Adpec – Qual o papel do Defensor Público dentro do atual sistema de Justiça?

Ana Carolina Gondim – O Defensor Público possui não apenas a função de ingressar e acompanhar com as ações junto ao Poder Judiciário, mas também fora dele, sendo importante que se trabalhe na educação em direitos, resolução de conflitos extrajudicial, requerendo documentos e serviços públicos através de poder de requisição, e tudo que for necessário. Sua função é de verdadeiro agente de transformação social no meio em que vive.

Adpec – Alguma situação específica de um/a assistido/a lhe tocou ou chamou atenção?

Ana Carolina Gondim – O trabalho do Defensor Público envolve pessoas com as mais variadas histórias de vida e de sofrimento. Já fui tocada por várias dessas histórias e, certamente, torcendo para que cada assistido consiga uma vida melhor. Difícil é não se envolver tanto. Espero nunca perder essa capacidade de me indignar. Na área de família, me emocionava bastante vendo crianças e adolescentes sofrendo no meio das disputas dos pais. Na área criminal, o sofrimento das mães que permanecem visitando os filhos presos por vários anos, sofrendo diariamente pela situação, muitas vezes sem notícias querendo somente saber se estão bem.

Adpec – Quais os maiores desafios na careira de Defensor Público, sobretudo no NUDEP?

Ana Carolina Gondim – Sem dúvida nenhuma o maior desafio é atuar em um sistema prisional que é completamente incapaz, pelo menos na prática, em ressocializar quem quer que seja. Remar contra a maré. Enxugar gelo, pois a reincidência é fenômeno comum e a responsabilidade é de todo o sistema. Muitos Defensores se sentem assim e esse é o maior sentimento na execução penal. O fato de que, a cada minuto que atuamos em um processo, surgem mais e mais processos, e isso faz parte da angústia de muitos defensores.

Espero conseguir, pelo menos, seguir tentando fazer a diferença, pleiteando não apenas os benefícios de progressão, mas a implementação das políticas públicas, a possibilidade de estudo e trabalho nas unidades, os programas de ressocialização e a melhoria das condições das unidades. Para isso, é preciso conseguir ter organização suficiente para não se dedicar apenas na análise diária dos processos que por si só já demanda bastante tempo.

Adpec – E as maiores conquistas/realizações para a senhora?

Ana Carolina Gondim – Muito importante para seguir em frente sem desanimar é o reconhecimento dos assistidos, porque o sistema de justiça atualmente é muito lento e com pouca efetividade em relação às demandas de família e, em relação ao processo criminal, é injusto em relação a classe menos favorecida e incapaz de ressocializar os presos. Então, a maior conquista é o reconhecimento do trabalho pelo assistido. Além disso, ainda temos muito o que caminhar e seguir lutando para que um dia o sistema de justiça seja mais justo para os nossos assistidos, que a defesa seja tão valorizada quanto a acusação e a carreira tenha também a mesma valorização remuneratória.