Francisco Junior Pankará marca a história dos defensores públicos do Estado do Ceará. Formado pela Universidade do Estado da Bahia, em 2023 ele se tornou o primeiro indígena empossado defensor público no estado, uma conquista memorável na ocupação de espaços de poder pela população indígena.
O Brasil possui uma marca em sua história, a tentativa de apagar a existência dos povos originários da nossa nação, os indígenas. A permanência do grupo na sociedade até os dias de hoje é resultado de uma resistência árdua contra a oposição exterminadora.
Vindo de raízes indígenas da tribo Pankará por parte da avó materna, Francisco Junior Pankará cresceu no interior de Pernambuco e hoje é Defensor Público de um dos maiores e mais populosos estados do Nordeste. Aos poucos, pessoas indígenas estão se tornando cada vez mais representadas e fazendo justiça aos seus antepassados.
Com uma jornada repleta de desafios, o defensor público Francisco Junior Pankará abdicou de coisas importantes da sua vida, incluindo a presença em momentos especiais com a família, para conseguir uma mudança de chave na sociedade. Agora, ele luta em prol da assistência à população hipossuficiente por meio do seu trabalho como defensor de direitos.
ADPEC: Como foi sua infância e qual é a sua memória mais viva desse tempo?
Francisco Junior Pankará: Minha infância foi simples, eu nasci em Mirandiba, no Pernambuco, e a família de minha mãe é de Carnaubeira da Penha, que é de onde descende minha ancestralidade ingídena e lá entre as duas cidades foi onde eu tive minha infância. A memória mais viva que tenho é estar na casa dos meus avós em Carnaubeira, estar com minha família, é uma coisa que até hoje é muito latente.
ADPEC: O que fez o senhor perceber que queria ser advogado, seguindo para a carreira de Defensor Público?
Francisco Junior Pankará: A advocacia veio em uma questão de exclusão, mas entendendo que eu tenho características de uma pessoa que poderia ser um bom advogado.
Depois de estar no curso de Direito e ter estagiado na DPU [Defensoria Pública da União] e vindo da família que eu venho, de pessoas que tem um cuidado muito grande com o outro, uma atenção muito grande com as pessoas, que busca ajudar muito todo mundo ao seu redor, eu entendi que, eu também tendo isso, eu poderia ser um bom Defensor.
Eu consigo me importar muito com os outros e com essas causas que são muito caras para a Defensoria. Pra mim, me pareceu a única instituição possível que eu atuasse.
ADPEC: Quais foram os maiores desafios enfrentados durante o seu percurso até a Defensoria?
Francisco Junior Pankará: Eu sou apenas um rapaz latinoamericano do interior do estado de Pernambuco. A questão financeira foi um grande desafio, porque nem sempre tive condições de comprar um curso, de me deslocar para a cidade. Tenho uma família que é muito incentivadora e todo mundo me ajudou.
A dificuldade do próprio concurso, a densidade dos assuntos, a logística pra mim sempre foi muito ruim. Tinha que viajar para pegar um voo e eram viagens longas, o local onde eu morava prejudicava nesse sentido. Não fiz uma prova que eu tivesse que me deslocar por menos de 10 horas.
Estar longe da família, não estar participando dos momentos de família é uma coisa que me pegava muito. Apenas não abdicava dos estudos para estar com meus avós, por serem idosos e um grande amor da vida.
ADPEC: Para o senhor, qual a importância da sua posse no processo de ressignificação do que é ser indígena?
Francisco Junior Pankará: Hoje tem essa questão da ressignificação, e eu represento muito isso, porque a ideia era que nós estivéssemos mortos ou esquecendo quem éramos e perdendo nossas características, físicas e culturais.
Eu estou aqui, tendo o fenótipo que eu tenho, que apesar de ser branco, tenho minha ancestralidade muito forte e me reafirmo como indígena e isso ninguém tira. Parcialmente o processo deu certo, mas por ser resistência estou aqui. É uma mudança de chave e de posição.
A gente deixa de ser assistido para ser defensor e assistir. Quando se tem um indígena, colegas negros, retintos e pardos na defensoria, tem pessoas que sabem do que o assistido ta falando por que vive, por que tem um local de fala do problema que ele ta enfrentando, em menor ou maior grau. Se tem uma noção efetiva e não somente teórica. Isso representa que os indígenas estão retomando aos locais que deveriam sempre ser seus. É uma demonstração de resistência, força e vitória.
ADPEC: Como está sendo a sua atuação dentro da instituição?
Francisco Junior Pankará: Ser defensor público é uma demanda muito grande, é uma necessidade muito grande, estou numa vara criminal e percebo diversas questões estruturais, falhas do Estado que, pra mim, é o responsável. A maioria dos meus assistidos são jovens de bairros periféricos e isso é um dever do Estado.
Então a atuação é muito boa, desafiadora, difícil, desgastante fisicamente e emocionalmente, por que temos um contato muito próximo, mas sinto que estou onde deveria estar.
ADPEC: Para o senhor, o que é ser indígena?
Francisco Junior Pankará: Pra mim ser indígena é conseguir sentir a conexão com minha avó, com meus antepassados, conseguir essa conexão com a Terra, entender de onde eu vim, no meu caso assumir a responsabilidade de onde estou.
É se perceber e notar características suas que provavelmente vem deles, até de personalidade, de gostos. Eu acho que ter um contato muito próximo com a natureza, com a sua terra, é gostar disso. Entender hoje em dia um indígena moderno, sobretudo nessa conjuntura do Nordeste, que nós fomos os primeiros a serem atacados, retirados de suas terras, entender que estamos em um processo de retomada, que temos que ter força e resiliência para manter isso.
Meu povo só foi reconhecido a partir de 2003, quando se iniciou o processo de reorganização social e étnica, então a gente vivia em nossas terras, mas isso não era uma coisa que tínhamos conhecimento, apesar de saber da descendência. É aceitar a diversidade e a força de manutenção e recuperação do que a gente é e o que a gente foi.
Francisco compartilha um pouco da sua história, demonstrando a importância da persistência e da resistência dos povos indígenas contra a opressão imposta pela sociedade colonizadora em que o Brasil foi historicamente desenvolvido, com consequências remanescentes até os dias de hoje.
A invisibilização dos povos indígenas e seu apagamento histórico não pode continuar. A Defensoria Pública caminha junto com a população para que a representatividade dentro da instituição possa refletir o perfil do Brasil, garantindo que os assistidos sejam auxiliados por aqueles que entendem a sua dor.