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Artigo | “Criminalização da LGBTfobia no Brasil” por Luis Fernando Castro

Ao longo da história, a comunidade LGBTI+ vem sendo vítima de preconceito, discriminação, estigmatização, humilhação, exclusão social, violência e negação de direitos, especialmente os direitos fundamentais. Os dados atuais demonstram sistemática violação dos direitos dessa população, pois, além de estarem sujeitos à insegurança pública geral, são vítimas dos chamados crimes de ódio, motivados pela intolerância e pelo preconceito. Entre 2000 e 2021, 5.362 pessoas morreram em função do preconceito e da intolerância, segundo dados do Dossiê do Observatório de Mortes e Violência contra LGBTI+ no Brasil de 2021.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública , publicado em junho/22 e informações coletadas nos anos 2020/21), aponta que a violência contra essa população vem aumentando. Ocorreu alta de 7,2% nos homicídios dolosos, 35,2% nas agressões e 88,4% nos estupros direcionados aos membros da comunidade. Em números absolutos, 179 pessoas foram assassinadas em 2021, outras 179 foram violentadas sexualmente e mais 1.719 sofreram agressões.

Ainda que os casos de violência sejam subnotificados (no registro policial não é feita qualquer menção acerca da identidade de gênero ou da orientação sexual da vítima), dados do Grupo Gay da Bahia e da ONG Transgender Europe, divulgados em 2017/18, apontaram o Brasil ocupando o 1º lugar no ranking de mortes violentas de gays, lésbicas, travestis e transexuais. Segundo o Grupo Gay da Bahia, a cada 26 horas um LGBT+ é assassinado ou se suicida, vítima da LGBTfobia, confirmando o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais.

Segundo a “Pesquisa Nacional de Saúde: Orientação sexual autoidentificada da população adulta”, publicada pelo IBGE, 2,9 milhões de pessoas adultas se declaram lésbicas, gays ou bissexuais no Brasil. Dados também subnotificados, por conta do estigma e preconceito, que geram insegurança a quem responde à pesquisa.

Embora não haja regulamentação específica no Brasil a respeito da homofobia, a Constituição Federal traz um mandado constitucional de criminalização a toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, incluindo, por evidente, a de orientação sexual e de identidade de gênero.

Preconiza a Carta Magna o direito a dignidade, a igualdade e de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, além de criminalização contra qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (arts. 1º, III, 5º, caput, 3º, IV e 5º, XLI). Desse modo, a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero é incompatível com o estado democrático de direito e exige responsabilização.

O termo LGBTfobia não é muito conhecido ou utilizado, usa-se mais homofobia, sinônimo para nomear o ódio a essa população. A definição de homofobia vem se alterando conforme o avanço da discussão no mundo. O dicionário Michellis define como aversão ou rejeição a homossexual. Atualmente, significa a violência física ou psicológica contra uma pessoa em razão de sua orientação sexual, ou sua identidade de gênero. Aponta preconceito contra pessoas transexuais, bissexuais e outras populações que são alvo de discriminação baseada na orientação afetiva e sexual, contemplando todas as pessoas LGBTQIA+.

Gênero diz respeito à autopercepção do indivíduo, ao sentimento de pertencimento ao universo feminino, masculino, ou a nenhuma dessas definições tradicionais. Orientação sexual está associada à atração física, ao desejo de cada um. Aqui a pessoa pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual.

A legislação penal existe para defender a sociedade, as minorias e os grupos socialmente vulneráveis. A LGBTfobia não está no Código Penal brasileiro, ao contrário de outros tipos de preconceito, como o racismo e a violência contra a mulher.

No Congresso Nacional, foram apresentados inúmeros projetos de lei para criminalização da prática de LGBTfobia. A maioria deles foi arquivada, declarada prejudicada ou apensada a outros projetos.

Diante desse cenário de inércia do Congresso Nacional, duas ações foram propostas no STF pedindo a equiparação das discriminações de sexo e gênero ao crime de racismo. O Mandado de Injunção 4733/12, movido pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos, relatoria do Min. Edson Fachin, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 26/13, movida pelo Partido Popular Socialista, relatada pelo Min. Celso de Mello.

O pedido fundamentou-se no art. 5º da Constituição, que em seu inc. XLI afirma que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e no inc. XLII que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Passadas mais de duas décadas sem que o Congresso Nacional tenha debatido ou votado projeto de lei sobre a LGBTfobia, restou perfectibilizada a omissão do seu dever constitucional de promover a punição legal de práticas discriminatórias.

No julgamento concluído em 13/06/2019, o STF determinou que a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero passe a ser considerada um crime, reconhecendo, por maioria, haver demora inconstitucional do Legislativo em editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia, o que acarretaria atentado aos direitos fundamentais da comunidade LGBT. Diante da omissão, o STF determinou, por maioria, que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo, que prevê crimes de discriminação ou preconceito por raça, cor, etnia, religião e procedência nacional, podendo ser tipificada no art. 20 da referida norma, com punição de um a três anos de prisão, sendo um crime inafiançável e imprescritível. Assim, desde 2019, a homofobia é criminalizada no Brasil, usando como paradigma a Lei de Racismo.

Mesmo assim tem sido insuficiente para frear os recorrentes casos de violações de Direitos Humanos e a quantidade de assassinatos de pessoas LGBTI+. Precisamos encontrar caminhos para continuar buscando uma maior inclusão social, respeitabilidade e possibilidade de fazer novas ações para essa população que tanto necessita. E isso se dá por meio de políticas públicas de combate a violência contra esse grupo, do correto atendimento e abordagem por agentes de segurança pública, da capacitação e educação de agentes públicos, em especial os de segurança pública, da realização de campanhas públicas de conscientização de direitos e sobre os efeitos da criminalização da LGBTIfobia, da coleta e análise de dados sobre violências, tentativas de homicídio, assassinatos e violações de direitos humanos contra a população LGBTI+, e do combate à impunidade e à subnotificação dos abusos e violência.

Toda pessoa tem o direito de viver em uma sociedade sem preconceitos e de ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade.