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Nota pública do fórum justiça ceará e movimentos periféricos sobre a logística operacional de vacinação contra COVID-19, em Fortaleza-CE

O Brasil é reconhecido mundialmente pela eficiência das campanhas de vacinação. Desde a década de 1980, o país bate recordes na casa de milhões de pessoas imunizadas pela cobertura vacinal, em força tarefa executada pelos municípios. Estes têm ampla cobertura e capilaridade que alcançam todo o país, através das equipes de saúde das unidades primárias do Sistema Único de Saúde (SUS): médicas(os), enfermeiras(os), técnicas(os) em enfermagem, agentes comunitários de saúde de programas como o Programa Saúde da Família (PSF).

Em 2020, por exemplo, para a imunização contra H1N1, Influenza e H2N3, esta estrutura das unidades primárias do SUS foi acionada e a população idosa foi rapidamente imunizada. No entanto, agora, para o esquema de aplicação dos imunizantes contra a covid-19, o município de Fortaleza esqueceu como operar. Estranhamos a inoperância da campanha vacinal para cobertura dos segmentos prioritários da primeira fase em Fortaleza, em especial, da população idosa acima dos 75 anos de idade domiciliada e trabalhadores da saúde, sobretudo, aquela que reside das comunidades periféricas do município.

A primeira remessa de imunizantes contra a covid-19 chegou à Fortaleza no dia 18 de janeiro, um dia após a liberação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), num lote com 229.200 doses da CoronaVac/Sinovac Biotech, produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo. A segunda remessa chegou à Fortaleza no dia 23 de janeiro, num lote do laboratório AstraZeneca/Oxford, com 72.500 doses. Em 25 de janeiro, o governador Camilo Santana (PT) anunciou a chegada de um segundo lote de CoronaVac, com 33.200 doses. No sábado, 06 de fevereiro, chegou um terceiro lote com 115 mil doses da vacina CoronaVac/Sinovac Biontech/Butantan, que serão destinadas para a imunização do segmento trabalhadores da saúde. Portanto, o Ceará já recebeu 449.900 doses de imunizantes. Destas, 72.500, da AstraZeneca, foram destinadas somente para o segmento idoso acima dos 75 anos de idade. No entanto, até 07/02, o Ceará só executou 1,73% da cobertura vacinal contra a covid-19, segundo o Consórcio de Imprensa.

Em Fortaleza, o esquema de operação de aplicação dos imunizantes tem se mostrado confuso e inoperante, no que se refere ao alcance dos públicos prioritários: profissionais da saúde e idosas(os) acima dos 75 anos domiciliados. O agendamento está sendo realizado através de três aplicativos que foram disponibilizados, sendo um deles anunciado através de matérias publicadas em periódicos eletrônicos e portais digitais institucionais, no dia 24 de janeiro. Somente o canal “aplicativo” já segrega e exclui públicos e usar a internet para divulgar aplicativos de agendamento fortalece, a nosso ver, uma maior seletividade de público.

A despeito disso, a Secretaria de Saúde do Estado (SESA) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) abriram agendamento para todas as categorias do segmento Trabalhadores da Saúde, não priorizando, portanto, os profissionais da linha de frente. Foi necessária a interpelação do Ministério Público do Ceará (MPCE) e Ministério Público Federal (MPF), em 25 de janeiro, para corrigir e reorientar o corte prioritário para este segmento e idosas(os), como recomendado pelo Ministério da Saúde. Além disso, óbvio está que teria sido mais producente vacinar os profissionais das equipes do Programa Saúde da Família (PSF) das Unidades de Atenção Primária à Saúde de Fortaleza (UAPS) e estas executarem a vacinação da população idosa acima dos 75 anos de idade, nas micro áreas de saúde.

Porém, os erros técnicos das pastas competentes na aplicação dos imunizantes continuam. Para pessoas idosas, inicialmente, o público com agendamento foi dirigido para um “drive thru” no Centro de Eventos. Na sequência, criaram rotas para imunização em domicílios e alegaram que o recorte de prioridade seriam os bairros com altos números de casos e altas taxas de letalidade e mortalidade. Mas Fortaleza tem 121 bairros, em 12 regionais administrativas e mais de 64.649 (censo IBGE/2010) pessoas acima dos 75 anos. Em primeiro de fevereiro, a SESA e a SMS, talvez percebendo que a metodologia das rotas seria insuficiente e inoperante, dado o grande volume e escala, reabriram o esquema “drive thru”.

Observando o campo origem/bairros nas listas de agendamentos para “drive thru” – que o MPCE e MPF exigiram serem publicadas a partir de 05 de fevereiro –, podemos colocar sob suspeição que o corte de seleção da população idosa acima de 75 anos está sendo mais por rendimento e IDH/bairro que por idade avançada. Talvez se os dados das vacinas aplicadas para este segmento fossem georreferenciados, o mapa da cidade poderia ficar mais colorido em bairros da região leste da cidade, como Cocó, Guararapes, Dionísio Torres, Meireles, São João do Tauape, Cidade dos Funcionários, que, no geral, têm muitos casos, mas baixas taxas de letalidade e de mortalidade. Ou seja, não prioritários frente aos bairros com maior letalidade e mortalidade) como os bairros do Grande Bom Jardim, José Walter, Vila Velha, Barra do Ceará, Autran Nunes, Cristo Redentor, Carlito Pamplona, Jardim Iracema, Jardim Guanabara, Jangurussu, Pirambu, Vicente Pinzon. E bairros com mais de 100 mortes por covid-19 na cidade, segundo Boletim Epidemiológico de Fortaleza (29/01): Barra do Ceará (129), Vila Velha (116), Granja Lisboa (110), José Walter (103), Mondubim (96) e Vicente Pinzon (99).

Na quarta-feira (03/02), o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e o Ministério Público Federal (MPF) cobraram que a Prefeitura de Fortaleza dê maior publicidade aos dados da vacinação contra a Covid-19 e disponibilize, em seu site, a lista das pessoas cadastradas, agendadas e já vacinadas contra a Covid-19. E nós, Movimentos Populares Periféricos e Organizações da Sociedade Civil congregados ao Fórum Justiça Ceará, contestamos a utilização de “drive thru” e de rotas de visitas em baixa escala, que mais geram segregação social, exclusão e lentidão para uma campanha de caráter emergencial.

Considerando a situação emergencial imposta pela pandemia e à uma crescente segunda onda em Fortaleza, com mais de 3 mil casos notificados por semana, questionamos os esquemas logístico-operacionais adotados pela SESA e pela SMS na cobertura vacinal de imunizantes contra a covid-19 junto à população idosa domiciliada acima dos 75 anos de idade. A população periférica, pobre e/ou abaixo da linha da pobreza não tem carro para ir ao “drive thru” e, geralmente, não tem smartphone, para agendar por aplicativo, nem o hábito de usuário contumaz das UAPS. A escala populacional deste segmento é enorme para que a visita domiciliar por rota seja eficiente. A metodologia e o esquema logístico-operacional adotados têm promovido desvios técnicos, exclusão da população idosa periférica no perfil prioritário da fase 1 e acesso privilegiado de públicos difusos. O que esconde essa decisão metodológica e logístico-operacional?

Diante do exposto, solicitamos com urgência a adequação técnica e política desta ação vacinal, com a retomada da metodologia SUS, das campanhas tradicionais de vacinação reconhecidas internacionalmente por sua eficiência e rapidez, com acionamento das equipes das unidades de atenção primária em saúde para inserção direta e simultânea nas micro áreas da saúde de Fortaleza. Ressaltamos que não descartamos o esquema “drive thru”, que pode ser um caminho suplementar à campanha, inclusive, com postos nas periferias, onde as taxas são maiores. E o esquema das rotas domiciliares precisa ganhar a escala que uma cidade do tamanho de Fortaleza e a emergência pandêmica requerem. Estes dois esquemas podem e devem co-existir, mas como complementos ou suplementos ao modelo SUS.

Fortaleza, 07 de fevereiro de 2021.

Subscrevem,
1. Alexandre de Oliveira Alcântara- Promotor de Justiça da 15ª Promotoria de Justiça Cível de Fortaleza – Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência
2. Ana Carolina Neiva Gondim Ferreira Gomes – Defensora Pública do Estado do Ceará
3. Antônia Lima Sousa – 78ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, e membro do Coletivo Transforma MP
4. Associação de Catadores e Catadoras Raio de Sol – Genibaú – Fortaleza-CE
5. Associação Comunitária do Conjunto Sítio Estrela, Messejana, Fortaleza-CE
6. Associação Cultural Afro Brasileira Pai Luiz de Aruanda
7. Associação Espírita de Umbanda São Miguel (AEUSM)
8. Associação dos Moradores do Bom Jardim (AMBJ)
9. Associação Mulheres em Ação (AMA)
10. Associação Quilombola do Cumbe Aracati CE
11. Arte Costura
12. Articulação das Pastorais Sociais, CEBS e Organismos Regional NE1
13. Área Pastoral da Praia do Futuro
14. Biblioteca Comunitária COISA DE PRETO
15. Biblioteca Viva – Biblioteca Comunitária do Barroso
16. Casa de Cultura e Defesa da Mulher Chiquinha Gonzaga
17. Casa Paz e Bem Lar São Francisco de Assis
18 . Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza (CAF)
19. Cáritas Brasileira Regional Ceará
20. Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Ceará (CEDECA-CE)
21. Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS)
22. Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI
23. Centro de Umbanda Macaia do Caboclo Pena Verde – Pai Beto de Oxóssi e Edmilson de Iemanjá
24. Cooperativa de Confecção de Artefatos Têxteis Passofirme LTDA (COOPFIRME)
25. Cooperativa Interdisciplinar de Capacitação e Assessoria LTDA – Casa Lilás
26. Coletivo Cultural Ibilé de Matriz Africana
27. Coletivo Feminista e Classista Ana Montenegro (CFCAM)
28. Coletivo Girassóis
29. COLETIVO REBENTO – médicos em defesa da Ética, da Ciência e do SUS
30. Comitê Estadual de Políticas Públicas da População em Situação de Rua
31. Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
32. Comunidades Eclesiais de Base – CEBS NE 1
33. Comunidade Evangélica Getsêmani
34. Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos
35. Conselho Nova Vida (CONVIDA)
36. Conselho Regional de Economistas Domésticos – CRED1 – Evangeline de Albuquerque Alves
37. Diaconia ActAliance
38. Dinarte da Páscoa Freitas – Defensor Público Federal
39. Diversidade Católica Fortaleza
40. Edilson Santana Filho – Defensor Público Federal
41. Eduardo Villaça – Defensor Público do Estado do Ceará
42. Espaço Cultural Frei Tito de Alencar – Escuta
43. Filippe Augusto dos Santos Nascimento – Defensor Público Federal
44. Fórum Cearense de Mulheres (AMB)
45. Fórum das Comunidades e Povos Tradicionais do Ceará
46. Fórum Justiça Ceará
47. Frente Estadual pelo Desencarceramento Ceará
48. Frente de Luta por Moradia Digna e Ser Ponte Fortaleza
49. Grupo Casa e Renda 50. Grupo Horiarte
51. Grupo MultiArtes 52. Grupo ProArt
53. Grupo Rosa Viriato
54. Instituto Cigano do Brasil – ICB
55. Instituto Negra do Ceará – Inegra
56. Instituto João de Deus 57. ITEPS Universidade Federal do Cariri (UFCA)
58. Instituto SOS Periferia
59. Jorge Bheron Rocha – Defensor Público do Estado do Ceará, titular da 7ª Defensoria Pública do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência
60. Lúcia Maria Bertini – Psicóloga
61. Mandata Nossa Cara – as vereadoras Adriana Gerônimo, Louise Santana e Lila M. Salú
62. Michele Cândido Carmelo – Defensora Pública
63. Missionários Redentoristas Fortaleza
64. Movimento Caminhando em Luta
65. Movimento Político Umbandista (MPU/CE)
66. Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
67. Ocupação Carlos Merighella CE
68. Organização Popular (OPA)
69. Padre Edcarlos Isaias de Souza – Missionário Redentorista Praia do Futuro
70. Pastoral Carcerária Ceará
71. Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (Rede DLIS do GBJ)
72. Rede de Médicos Populares
73. Rede Metropolitana de EcoSol
74. Rede de Mulheres Negras do Ceará (RMNC)
75. Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Ceará (RENAP-CE)
76. Renafro CE
77. Renato Roseno – Deputado Estadual CE (PSOL)
78. Rodrigo de Medeiros Silva – RENAP 79. Sindicato Geral Autônomo do Ceará (FOB)
80. Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (SINDJORCE)
81. Sociedade da Redenção
82. União dos Moradores do Bairro Canindezinho (UMBC)
83. Vila de Poetas

 

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